Acho que você já deve saber que no mundo digital, lotado de conteúdos audiovisuais, pode não ser muito fácil capturar o leitor logo na primeira página do seu romance.
Às vezes, não é fácil nem mesmo conquistar leitores, pois vivemos em uma cultura muito visual, dominada pelos streamings.
Mas eu acredito sim que a literatura pode alcançar um público mais amplo e esse movimento já está acontecendo!🤩
Não devemos escrever a nossa história pensando que o romance vai virar filme – pode até acontecer, mas não é obrigatório para que a obra literária tenha seu valor próprio. 📖
Muito menos como se fosse um roteiro; literatura e cinema podem dialogar, mas são linguagens diferentes.
Escreva literatura acreditando na literatura!📚
“Mas será que devo ficar contente ao constatar que um livro se torna digno de nota para os cadernos de cultura dos jornais só porque fazem um filme baseado nele? O senhor não acha que aceitar hierarquias desse tipo, considerá-las naturais, encoraja a ideia de que a literatura, na classificação dos prazeres culturais, ocupa a última posição?”
Carta de Elena Ferrante ao jornalista Francesco Erbani. Frantumaglia.
Eu acredito que devemos e podemos fortalecer a forma literária! Que tal aprender algumas técnicas que podem te ajudar nesse processo?
Selecionei 7 técnicas para criar cenas de abertura em romances e contos de grandes mestres da literatura!💡📚
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Sonho com um mercado literário brasileiro cada vez mais forte! Vamos juntos?📖🤩
1. APRESENTE O VILÃO
Em Solaris, um romance genial de ficção científica de Stanislaw Lem, a tensão começa em alta quando Kevin chega à estação Solaris e percebe que algo estranho está acontecendo com seus colegas.
Nesse romance, a força antagonista (o vilão) é Solaris, um planeta distante que aparentemente é um ser vivo com consciência e se parece com um oceano de gel capaz de se comunicar e provocar as reações mais inusitadas.
Acho bem legal o romance não começar explicando Solaris, o que seria bem chato, mas evidenciando a tensão e o estranhamento de Kevin, um psicólogo, com o comportamento esquisito dos colegas aparentemente provocado pelo monstro pensante.
“—Quem eu poderia ver? Um fantasma? — explodi
— Já sei. Você acha que eu enloqueci. Não, eu não enloqueci. Não consigo falar isso de outra maneira... por enquanto. Afinal pode ser que nada aconteça. De qualquer modo, lembre-se: eu lhe avisei.
—Sobre o quê? Sobre o que você está falando?
—Controle-se — insistiu ele. — Aja como se... esteja preparado para tudo. Eu sei que isso é impossível. Tente mesmo assim. É o único conselho que posso dar. Outro eu não conheço.”
2. APRESENTE O PROTAGONISTA
Em 1Q84, Murakami sabe a força da brilhante composição de sua protagonista, Aomame, e opta em apresentá-la na cena de abertura por meio de um diálogo muito significativo com um motorista de táxi em um tedioso engarrafamento.
“–Vou descer aqui. Não posso me atrasar – disse ela.
O motorista concordou e, ao receber dinheiro, perguntou:
–A senhora precisa de recibo?
–Não. Pode ficar com o troco. (...)
‘As coisas não são como aparentam ser’, Aomame repetiu a frase mentamelmente. Franzindo levemente as sobrancelhas, indagou:
–O que isso quer dizer?
O motorista respondeu escolhendo cuidadosamente as palavras:
–Convenhamos que isso que você vai fazer não é algo comum, não é verdade? Uma pessoa comum jamais desceria a escada de emergência de uma via expressa em plena luz do dia.”
3. APRESENTE O RELACIONAMENTO ENTRE OS PERSONAGENS
Você pode apresentar o universo da história a partir de um relacionamento entre personagens que comunique o CONFLITO principal da trama.
Em Admirável Mundo Novo, Aldous Huxley apresenta a tecnologia central da obra, o Processo Bokanovsky, por meio do relacionamento tenso entre os diretores e os estudantes do Centro de Incubação de humanos, já revelando as relações de poder do universo que serão questionadas nas próximas cenas pelo protagonista, Bernard Max.
“ —Mas por que precisamos manter o embrião abaixo do normal? — perguntou um estudante ingênuo.
— Que asno! — disse o Diretor, rompendo um longo silêncio. — Não lhe ocorreu que, para um embrião Ípsilon, é preciso um meio de Ípsilon, tanto quanto uma hereditariedade de Ípsilon?
Evidentemente, não lhe havia ocorrido essa ideia. Ficou encabulado.”
4. DESENVOLVA UMA CENA CATALISADORA
Em A criança no tempo, do celebrado Ian McEwan, um acontecimento definitivo, logo na abertura do romance, irá desencadear toda a cadeia de acontecimentos ao longo do história.
Numa ida rotineira ao mercado, o escritor de livros infantis Stephen Lewis vive o pior pesadelo de um pai: sua filha de três anos, Kate, desaparece sem deixar vestígios. A dor dessa perda irá crescer como uma bola de neve e a tensão irá se tornar cada vez mais sufocante.
“O que mais ele comprou? Pasta de dente, lenços de papel, sabonete líquido, o melhor bacon disponível, um pernil de cordeiro, bifes, pimentões verdes e vermelhos, rabanetes, batatas, papel-alumínio, um litro de uísque. E quem estava lá quando sua mão se estendia para pegar esses produtos? Alguém que o seguia enquanto ele empurrava Kate (...) Ele pôs o peixe na esteira e pediu à moça um saquinho. (...) Ele pegou e olhou para trás. Kate havia desaparecido.”
5. SIGA O GÊNERO
Vai escrever em um gênero específico? Domine as regras! Fazer o arroz com feijão bem feito funciona muito! Vai escrever uma história de horror? Você precisa dominar as técnicas para a construção de atmosferas próprias do gênero para criar um clima de inquietação e medo logo na cena de abertura.
Saiba mais sobre o medo na literatura aqui.
No clássico A queda da casa Usher de Edgar Poe, a história inicia com uma excelente ambientação da mansão onde a trama acontece! Vale conferir esse conto genial!
6. SUBVERTA O GÊNERO
Também é possível subverter algumas regras do gênero para gerar impacto. E se essa sensação inquietante em vez de estar na atmosfera de um castelo gótico ou em uma mansão mal-assombrada estiver na propriedade comum de uma estranha família em um vilarejo qualquer?
É exatamente o que a escritora genial, Shirley Jackson, faz em Sempre vivemos no castelo.
“Meu nome é Mary Katherine Blackwood. Tenho dezoito anos e moro com a minha irmã Constance. […] Todo o resto da minha família morreu”
7. COMECE COM UMA MÉTAFORA FORTE!
Em Ensaio sobre a Cegueira de José Saramago, a cena de abertura é uma metáfora potente sobre a visualidade, as cores e o olhar, introduzindo de forma magistral o conflito central da obra que é a cegueira branca.
A cena retrata um motorista observando as cores do semáforo no trânsito, já demonstrando a crítica central da obra sobre a sociedade capitalista acelerada, impaciente, incapaz de aguardar alguns segundo o sinal abrir.
“O disco amarelo iluminou-se. Dois dos automóveis da frente aceleraram antes que o sinal vermelho aparecesse. Na passadeira de peões surgiu o desenho do homem verde. (...) O sinal verde acendeu-se enfim, bruscamente os carros arracanram, mas logo se notou que não tinham arrancados todos por igual. O primeiro da fila do meio está parado (…)”
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Beijos e até a próxima edição ;) ❤📚
Thais Nunes
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Adorei essas técnicas, vou estudar elas melhor para aplicar em meus textos
muito bom ter isso de forma organizada, com exemplos e sem rodeios! Adorei!