5 técnicas para criar contos de terror psicológico de tirar o fôlego
Aprenda com o mestre do fantástico: Henry James
Em um mundo como nosso em que temos mais medo dos boletos do que de uma aparição, os códigos de terror podem parecer um tanto saturados e sem sentido.
Mas é impressionante como os contos de Henry James captam uma sutileza do sobrenatural como o monstruoso que está entre nós, mas que nem sempre somos capazes de perceber.
Nas suas histórias fantasmas não são meras aparições assustadoras; eles refletem profundos dilemas morais.
No universo desse autor britânico sempre estamos diante de um mundo completamente crível e comum onde irrompe algo extraordinário e inquietante.
Henry James cria esse artifício sutil fazendo uma equivalência dentro do texto literário entre realidade interior e realidade exterior.
Apesar de muito adaptado para o audiovisual, esse artíficio especificamente literário não é algo fácil de ser levado para as telas. As adaptações podem cair na representação simples dos códigos góticos mais conhecidos e difundidos do gênero.
Nesses contos fantásticos o real é apenas o ponto de vista do personagem, portanto sempre será algo esquivo e duvidoso. O jogo é manter a hesitação dentro do texto literário sobre o que é ou não natural e sobrenatural e, para isso, escrever em primeira pessoa pode ser um recurso importante, ainda que o narrador possa ter diferentes distâncias do fato que narra.
No conto que abre a coletânea, Sir Edmund Orme, o narrador do conto, amigo e confidente da sra. Marden e apaixonado por sua filha, percebe a presença insólita de um distinto cavalheiro que acompanha as damas e se espanta quando descobre que ele, na verdade, está morto.
A sra. Marden explica que nem todos são capazes de ver o tal fantasma: apenas aqueles que se apaixonam por sua filha começam a vê-lo. Ela explica que a aparição a atormenta por algo que fez no passado: há alguns anos a sra. Marden abandonou Sir Edmund Orme na véspera do casamento, deixando-o por outro homem pela qual se apaixonara. Sir Edmund Orme então se mata de desgosto com a decepção amorosa.
Quando o marido de sua amada finalmente morre também, ele começa a aparecer para ela, vigiando a filha da mulher traidora para que esta não cometa o mesmo o erro.
“Aquela infortunada mãe iria pagar, em sofrimento, pelos sofrimentos que tinha infligido, e como a tendência de zombar das justas expectativas de um homem honesto poderia aflorar novamente, em meu detrimento, na filha, esta devia ser estudada e vigiada para que viesse a sofrer caso me fizesse igual agravo.”
Sir Edmund Orme
Até o último fantasma
Se você acha interessante essa forma de escrever o sobrenatural na literatura vale guardar na sua caixa de ferramentas cinco recursos para criar esse forma insólita que caminha pelo aprofundamento psicológico dos personagens:
📚O fantasma nunca é uma aparição grotesca: Sir Edmund Orme é um homem elegante e discreto que aparece de maneira sutil em um ambiente comum;
“(...) a pessoa na frente do fogo era Sir Edmund Orme. Ali estava ele como eu o vira na sala indiana, a fitar-me com uma atenção inexpressiva cuja gravidade advinha de sua sombria distinção.”
Sir Edmund Orme
Até o último fantasma
📚Carga simbólica do sobrenatural: O fantasma de Sir Edmund Orme reflete o tema da traição. Ele simboliza a culpa de uma mulher por ter se apaixonado por outro homem;
📚Narração em primeira pessoa: O narrador não confiável constrói a percepção subjetiva dos personagens. O fantasma é uma presença quase psicológica, pois, mais do que uma entidade sobrenatural, ele alerta sobre um perigo social. Ele só aparece por quem se apaixona pela filha;
📚O fantasma representa a origem do conflito: o conflito da personagem vai se revelando por meio da aparição fantasmática. A traição que a persegue e se reflete na impossibilidade de a filha encontrar um pretendente que aceite tal presença assombrosa;
📚O sobrenatural nos faz refletir sobre grandes temas morais.
Para criar contos de terror com a sutileza de Henry James vale pensar nesses recursos na estruturação da sua história.
Nos demais contos da coletânea essas técnicas são utilizadas com extremo requinte pelo escritor.
No conto A coisa realmente certa a atmosfera sugestiva é brilhante! A esposa de um escritor morto deseja que seu pupilo escreva sua biografia como forma de fazer uma reparação pública. O morto reaparece de forma sutil, uma presença apenas sentida, indicando que não deseja que isso seja feito.
O mesmo ocorre nos demais contos: Os amigos dos amigos em que há um paralelismo de persoangens que parecem idênticas mas nunca se encontram, O grande e bom lugar que narra as queixas de um escritor cansado do sucesso e A bela esquina que conta o encontro de um homem com seu próprio fantasma, retomando o tema do duplo.
👉🏽mão na massa: Para escrever um conto fantástico com aprofundamento psicológico pense em um dilema moral atual que possa se transformar em um fantasma na vida de alguém. Essa fantasma será uma presença incômoda para o personagem.
Na próxima edição vou compartilhar um conto que escrevi de terror feminista considerando algumas dessas técnicas e tratando da questão do aborto e violência de gênero.
Lembre-se: fantasmas aqui são traumas não resolvidos.
Obrigada pela leitura!❤️
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