Fiquei completamente envolvida nas últimas semanas em entender e conhecer mais a vida e obra de Frida Kahlo.
Frida é quase um ícone da cultura pop: as cores, o fantástico e absurdo de suas obras, suas roupas e sobrancelhas marcantes, suas dores e o acidente trágico ainda jovem que colocou o seu corpo esfacelado no centro de sua obra.
Tudo isso parece que eu já sabia, muitos já sabem, mas por alguma razão, essas características estão muito longe de dar conta de quem realmente foi a mulher e artista por trás da imagem estampada em camisetas e canecas mundo afora.
Li Frida, a biografia de Hayden Herrera, e fiz algumas pesquisas. Selecionei algumas curiosidades sobre a artista que vão te surpreender:
1. Frida era uma mulher mestiça, filha de um pai descendente de alemão, e de uma mãe mexicana.
Seu nome durante um tempo foi escrito à moda alemã, Frieda, que significa paz em alemão, e ela optou por retirar o e, deixando apenas Frida, com a ascensão do nazismo.
Isso me deixou um tanto perplexa, pois sempre imaginei Frida como um símbolo da mexicanidade e latinidade. Vê-la como mestiça me permitiu entender as complexidades e a violência da colonização das américas.
Esse traço de mestiçagem fazia de Frida uma espécie de mulher partida, divida entre sua herança europeia e um sentimento forte de ligação genuína com sua raíz mexicana, que considerava mais autêntica.
2. Seu pai, Guillermo Kahlo, era um fotógrafo que se notabilizou como o primeiro fotógrafo oficial do patrimônio cultural do México. Era ateu e apresentou a Frida a filosofia europeia.
Saber que o pai de Kahlo foi um artista profissional em um tempo em que viver de arte era completamente impossível me deixou bastante intrigada. Ele pagava as contas da família com o trabalho de fotógrafo, mas sonhava em ver a filha formada e incentivou suas ambições intelectuais e acadêmicas.
Frida gostava de ajudar o pai com as fotos, mas nunca estudou pintura ou arte em escolas renomadas — ela começou o seu trabalho como pintora de maneira intuitiva, após o trágico acidente no bonde.
Frida não planejava ser artista e fazia questão de não promover o mito típico do artista que nasceu com uma aptidão inata.
Perceber que uma das maiores e mais reconhecidas artistas da América Latina jamais planejou ser uma pintora, nos faz pensar o quanto a arte é um caminho inesperado para muitos e que nem sempre tem relação apenas com talento, mas com uma enorme necessidade de expressão.
Ela era uma garota muito inteligente e curiosa que queria estudar para ajudar a família. Após o acidente, desistiu dos estudos por questões financeiras — seu tratamento custou muito para a família —, e encontrou na pintura uma maneira de enfrentar o tédio da imobilidade e expressar suas dores. Nada ligado à pretensão de uma carreira artística.
Me surpreendeu mais ainda quando descobri que Frida, na verdade, queria ser médica. Fiquei pensando qual seria a relação de seu interesse pelo corpo, a representação mecânica que faz dos diversos artefatos, gessos e outras geringonças que a acompanharam durante toda a sua vida após o acidente no bonde, e sua enorme amizade com o Dr Eloesser, o médico e amigo, que cuidou de sua saúde e pela qual tinha grande admiração.
Apesar de sua dor inegável, a biógrafa declara que Frida tinha um traço hipocondríaco e, por vezes, utilizou de sua condição de saúde para reter a atenção de Diego.
4. Sua paixão pelo pintor Diego Rivera é algo extremamente desconcertante.
Aparentemente Frida o conheceu quando decidiu procurar o famoso pintor para que ele opinasse sobre o seu trabalho, e logo Diego se apaixonou pela inteligência da jovem artista. Eles se casaram e Frida passou a ser vista apenas como a esposa do famoso muralista.
Diego era um artista famoso, boêmio e muito requisitado e adorado. Como esposa do pintor, Frida era considerada pela opinião pública muito mais a mulher de Diego Rivera, o gênio, do que uma artista.
Ela pintava apenas ocasionalmente e de forma “amadora”, por paixão. Diego a incentivava e reconhecia seu talento, gosto e originalidade — Frida tornou-se sua principal conselheira —, mas ele nem sempre via o trabalho da esposa como algo autônomo, pois estava mais preocupado com a própria carreira e com suas amantes.
Apenas mais tarde, com o reconhecimento de Frida pelos surrealistas e o desejo de Diego de que Frida seguisse com a própria vida, ele passa a incentivá-la e recomenda seu nome e sua obra para vários profissionais do ramo artístico.
5. A forma como Frida se vestia era uma espécie de artifício e não era comum às mulheres urbanas de sua época.
Frida adorava o absurdo e a imaginação inseridos na vida real e cotidiana. Nada mais latino. Ela leva a sua arte um tanto maravilhosa para sua vida, se vestindo de uma forma caricata que gerava estranheza nas pessoas com as quais convivia.
Isso me surpreendeu. Sempre achei que as cores de Frida eram típicas de uma mulher mexicana de seu tempo e região, mas não era nada disso.
Sua paixão por Diego e as discussões sobre o que seria a verdadeira arte, as raízes locais, faziam com que Frida admirasse os trajes das mulheres camponesas e ela, de uma maneira única, construía um modo de se vestir peculiar, como se estivesse interpretando um papel sobre si mesma.
Quando viajou com o marido para os Estados Unidos, causou uma forte impressão nos gringos com seus trajes tehuanos.
6. Apesar de sua obra ser vista como surrealista por André Breton, Frida achou os surrealistas um bando de pedantes e o surrealismo uma arte burguesa decadente.
Pensavam que eu era uma surrealista, mas eu não era. Nunca pintei sonhos. Pintava a minha própria realidade.
Frida Kahlo
Ela pintava o que via. O absurdo da vida. Nada mais latino do que essa compreensão tão inovadora de Frida que irá se aprofundar no realismo mágico.
7. Frida sofreu inúmeros abortos e representou o sofrimento feminino e a violência contra as mulheres como uma força até então nunca vista na arte.
Após o acidente no bonde, Frida nunca mais teve saúde e ela era como uma viva-morta.
Uma de suas maiores decepções era a incapacidade de ter filhos. Frida sofreu inúmeros abortos e a forma como ela retratou a vulnerabilidade e a violência do parto é impressionante.
Mas nada disso lhe gerou tanto sofrimento como as traições de Rivera.
Quando ela descobriu que o marido a traiu com a própria irmã, pintou Umas facadinhas de nada, a obra que abre a edição desta news.
O quadro é uma espécie de denúncia à banalidade do feminicídio no México: um caso de um homem bêbado que apunhalou a namorada umas vinte vezes; “quando questionado pela polícia sobre o crime, o assassino afirmou, com o ar inocente, que tinha dado na namorada apenas umas ‘facadinhas de nada’” Hayden Herrera em Frida, a biografia.
Ao mesmo tempo, a pintura representa como Frida se sentiu assassinada pela vida ao ser traída pelo marido.
“Sofri dois graves acidentes na minha vida. Um que fui abalroada por um bonde. O outro acidente é Diego”
Frida Kahlo
Os mecanismos do patriarcado são tão sutis e eficientes que nem sempre estamos atentas: enquanto mulheres são estralhaçadas, cortadas, apagadas e silenciadas, precisamos fingir beleza, generosidade, força e doçura, como Frida em seus trajes tehuanos.
A Kahlo exuberante e exótica das canecas e dos memes da internet é bela e forte, mas acho que precisamos resgatar cada vez mais a Frida do humor negro que denuncia de maneira perturbadora a presença constante da morte física e simbólica das mulheres.
Essa Frida que ainda hoje é silenciada quando reduzem a figura de uma artista potente a uma mera estampa e pouco falam de sua obra.
Obrigada pela leitura!
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📌Tudo que andei vendo e lendo sobre Frida Kahlo👇🏽
Um documentário animado do belíssimo do diário de Frida Kahlo: uma grande oportunidade de ouvir Kahlo em primeira pessoa com animações lindas de suas artes pessoais;
O diário de Frida Kahlo pela editora José Olympio;
As aparências enganam: visita virtual ao Museu Frida Kahlo;
Um instagram bem legal com fotos e registros da vida de Kahlo: @fridakahlomuseo;
Revi o filme Frida, de Julie Taymor que tem um roteiro bem parecido com o livro que estou finalizando agora: Frida Kahlo e as cores da vida, de Caroline Bernard.
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Beijos e até a próxima edição,
Thais