Por esses dias estava assistindo ao Cartoon Network e acompanhei um episódio da série O Incrível Mundo de Gumball que me fez rir muito, mas me deixou reflexiva também e não saiu mais da minha cabeça.
O episódio foi o The Ghouls: no dia do Halloween, todos os moradores de Elmore estão animados, fantasiados, menos Carrie, que está chateada porque ninguém mais tem medo dos monstros famosos mais temidos da cinematografia mundial.
Várias referências que já fizeram a gente tremer de medo em filmes clássicos de horror como Candyman, a Samara de O Chamado ou Freddy Krueger aparecem no episódio, mas não conseguem provocar medo algum.
Ninguém mais tem paciência e tempo para sentir medo e o pior pesadelo dos personagens é na verdade o trabalho estafante ou as contas do cartão crédito que precisam ser pagas.
O Krueger não faz nem cócegas.
Lembro que na adolescência sempre fui apaixonada por filmes de terror e de horror e, ainda hoje, sou uma entusiasta da estética da horror stories, mas confesso que como mãe, dona de casa, trabalhadora e uma mulher que tenta escrever nas pouquíssimas horas livres que possui, às vezes, me pego tomada por esse sentimento de: nenhum monstro pode ser pior que o preço atual da cenoura no supermercado.
Quando entramos na vida adulta, na vida dos boletos, das obrigações, do fim do dia cansado e estafante, a magia de uma boa história de horror parece que perde o sentindo e tudo o que queremos é fugir do monstro do cartão de crédito!
Mas a verdade é que os monstros nunca abandonam a gente e eles podem sim ganhar novos formatos e atualizar em nós um sentimento de reflexão sempre original.
Um monstro reflete algo que nos parece ao mesmo tempo estranho e familiar, um desconforto sobre algo que não conseguimos encarar e a criatura monstruosa nos força a ver.
Pode ser um assassino, um alienígena, uma criatura gótica ou um ser inominado.
A monstruosidade vai, ao longo da história da literatura, ganhando novas formas e possibilidades.
Kafka não transformou seus pesadelos com a burocracia, os milhares de processos em sua mesa e um trabalho sem sentido em um romance genial e sombrio de tirar o fôlego?
George Orwell não narrou em 1984 a distopia que é executar um trabalho de forma alienada para um governo tirânico? Acho o Big Brother um dos personagens mais sinistros da literatura!
Aldous Huxley em “Admirável mundo novo” não forjou uma história tenebrosa em que as pessoas são geneticamente condicionadas e fabricadas para exercer o seu exato papel na sociedade, sem reclamar e ser feliz como um trabalhador ajustado?
Esses novos exercícios de monstruosidade estão sempre nos provocando…
Hoje o nosso maior medo é perder um prazo e não parecer eficiente. Não se ajustar como uma pessoa de alto desempenho, com uma bela carreira de sucesso.
Ficamos mais angustiados em ver a tal vida bem-sucedida e promissora do vizinho em fotos luminosas no instagram do que com qualquer filme sinistro com o Krueger.
No audiovisual, algumas séries têm explorado esse sentimento da sociedade do sucesso e da servidão voluntária e o público reage, pois percebe de uma maneira muito intensa o pesadelo em que estão inseridos.
Em Ruptura, temos uma ficção científica sombria em que funcionários de uma empresa aceitam ter suas memórias pessoais e de trabalho permanentemente separadas.
Quando estão no escritório, só terão as lembranças referentes ao trabalho e em casa, não podem se lembrar das situações profissionais.
A sensação de pesadelo e estranhamento é absolutamente genial! Aqui a monstruosidade é a própria situação de ser um funcionário e jamais conseguir se demitir.
Algo invisível e insondável nos obriga a permanecer em um trabalho aparentemente sem sentido. Uma atividade que, por vezes, mal sabemos qual o propósito ou, pior, com finalidades predatórias.
Ruptura é uma série de ficção científica que dialoga tanto com a atmosfera de pesadelo de Franz Kafka como com a manipulação e controle das mentes proposta por 1984, de George Orwell.
Round 6, uma espécie de distopia contemporânea em torno do endividamento, simplesmente derrubou a internet na Coreia do Sul tamanho foi o sucesso da série no país.
Para mim a boneca de Batatinha Frita 1,2,3 atualizou de uma forma brilhante o nosso medo do boneco chucky, o boneco assassino, você não acha?
Vai me dizer que ainda tem medo do Chucky?
Um monstro está muito longe de ser uma coisa boba, quanto mais original e atual ele se apresenta, maior é o seu poder de comunicar algo indizível e incompreensível, atravessando as barreiras do senso comum e da passividade do cotidiano que nos anestesia e nos aprisiona.
Já parou para pensar nos monstros que te assombram hoje?
👁️LINKS PARA FICAR DE OLHO
👁️Quando o monstro tem voz na literatura, sobre o eterno Frankenstein.
👁️Monstros invisíveis, O Horla de Guy de Maupassant.
👁️Crimes do futuro, uma distopia de embrulhar o estômago de David Cronenberg
👁️Quando seu chefe é um monstro, A Assistente, um drama psicológico com toques sutis de terror da diretora Kitty Green
👁️ A mulher de gelo como metáfora do fim do mundo em Anna Kavan
Um beijo e até próxima edição! ;)
Thais