Ursula Le Guin e José Saramago blogueiros🤓: o que podemos aprender sobre escrita e literatura no digital✨
Qual escritor hoje não se sente frustrado — e estafado! — em ter que produzir conteúdo aqui nas terras digitais?
Mas você sabia que José Saramago e Ursula Le Guin também foram blogueiros?
Talvez entender melhor como esses escritores souberam lidar com as mudanças e características de seu tempo pode nos ajudar a enfrentar os desafios do digital e a nos adaptar com mais leveza.
A gente pode não perceber, mas hoje a internet é feita mais de feudos do que das antigas tribos quando tudo isso aqui era só mato!
Se os adolescentes estão no tik tok, os trintões no instagram, uma galera 50+ nas comunidades do facebook e a turma do fundão vidrada nos vídeos do kwai (sim essa rede existe e tem mais de 50 milhões usários!) isso significa que temos a tendência a falar mais com os nossos espelhos do que a nos conectarmos com os diversos com quis a velha promessa da democracia no digital.
O entusiasmo dos anos 90 de que a internet nos permitiria liberdade de conhecer pessoas no mundo todo e atravessar fronteiras virou pó com os algoritmos de segmentação de público das bigtechs.
Quem produz conteúdo fala com o seu público de forma hipernichada e que, no geral, pensa de forma muito igual ao produtor. Às vezes — tá, quase sempre —, pode até ter um hater para movimentar o post do dia, — eles são a parte necessária e especular do espelho, afinal se opor é se identificar — , mas a verdade é que ficamos numa bolha que limita muito a nossa visão de mundo.
Atualmente a configuração do feed do meu perfil literário @thaisliteratura é basicamente alimentada com conteúdo de editoras, pessoas leitoras e algum conteúdo de escrita criativa que envolve roteiro e cinema e um pouco de filosofia.
Claro tem as publis, mas no geral é sempre sobre esses temas, variando com alguma questão de maternidade e burnout de mulheres millenials – mais óbvio impossível!
A gente já até julga a pessoa a depender do feudo digital que ela ocupa: Quem está no twitter (não consigo dizer o X do Musk!) vocifera, quem está no facebook se isolou de tudo, instagram é para quem é mais narcisista — tá pago, foto de comida, viagens — e tik tok... Bom, já nem sei mais o que pensar do tik tok com sua avalanche de danças, vídeos engraçados e pessoas falando em uma velocidade quase incompreensível.
Se eu me deixar levar pelo sentimento que corre no feed do meu instagram vou começar a achar que todo mundo gosta de leitura, em especial clássicos da literatura, tem bibliotecas divinas e impecáveis, há milhares de pessoas que adoram falar sobre livros enquanto tomam chás e cafés belíssimos, estamos em um país leitor e a literatura nunca esteve tão bem.
Mas é só colocar o pé fora da bolha para perceber que não é nada disso! Se você ficar alguns minutos no tik tok por exemplo é capaz perceber que a leitura de clássicos e literatura nacional ainda não é a regra e que os livros americanos estão entrando em nosso país de forma cada vez mais predatória, sem proteção alguma do mercado nacional.
Já até tentei ir para tik tok, pois a divulgação de livros lá é realmente muito boa, mas ainda tenho dificuldades em colocar uma câmera diária na minha vida — quem trabalha com produção de conteúdo sabe que constância é a chave de quem quer sobreviver por aqui. No entanto vejo o pessoal 10 anos mais jovem do que eu fazer isso com uma naturalidade que pra mim é um pouco assustadora.
Meu objetivo definitivamente não é julgar e nem aumentar as rusgas dos conflitos geracionais que parecem um abismo cada vez mais profundo em intervalos de tempo cada vez mais curtos.
Não tenho preconceito com nenhuma rede quando o assunto é o desafio de alcançar pessoas diversas e formar leitores nos lugares mais inesperados.
No entanto, quando a questão é formação de leitores, escrever para um tipo de público que você pretende alcançar tendo que bolar diariamente copys engajantes e segmentadas ou ter que dançar e gravar vídeos engraçados quando você prefere apenas escrever não ajuda em nada.
Infelizmente essa é a lógica do algoritmo de qualquer rede social e fugir dela é quase impossível para quem quer estar por aqui.
Mas como não sou uma pessoa de pessimismos e gosto de visualizar saídas, estive nesses últimos dias me deleitando com a liberdade criativa dos blogs de Ursula Le Guin e José Saramago
que chegaram por aqui quando ainda era possível pensar sem a retórica twitteira ou um dicionário de memes, rs!
Esse estilo e modo de pensar lacrador é tão peculiar da atual vida digital regida por algoritmos que quando ouço alguém falando até consigo inferir se ela está ou não no twitter ou no insta: geralmente vai envolver algo do tipo precisamos falar sobre tal coisa ou essa sua fala é muito necessária...
Desde quando ideias viraram uma coisa utilitária? Eu acho que foi desde quando as bigtechs entenderam que ideias poderiam ser embaladas e virar produtos na economia da informação.
E fica muito claro ao ler um pouco do blog de Saramago e Le Guin que escrever no digital não deveria ter relação alguma com transformar ideias em produtos.
Eles escrevem para pensar e não para engajar ou agradar.👁️
Ursula Le Guin decide escrever um blog nos último anos de sua vida, depois dos 80, muito inspirada pelo blog de Saramago que também escreveu na internet quando já tinha passado de mais de oito décadas de vida por influência de sua esposa Pilar del Rio.
Os textos da escritora reunidos no livro Sem tempo a perder mexeram comigo como nenhuma outra leitura de textos de crônicas ou ensaios que já tenha lido antes.
Não sou muito de crônicas, a própria Ursula confessa que ela também não era muito desse gênero, mas a liberdade blogueira deu aos seus textos um sabor muito especial.
Ursula é corajosa. Mas corajosa mesmo! Com títulos como Dá para parar com essa merda, por favor? e Mentir para que tudo desapareça, Ursula não se intimida. Ela critica escritores que passaram a colocar fod@ em tudo que escrevem , jovens que só sabem ser positivos, a dificuldade em responder cartas de leitores e a obsessão da crítica com o grande romancista de todos os tempos... o, no caso, sempre um homem…
A literatura é uma área que muitos homens consideram sua por direito. Virginia Woolf foi uma competidora bem-sucedida nessa área. Ela escapou por pouco à primeira e mais eficaz punição – omissão do cânone literário após sua morte. No entanto, oitenta ou noventa anos depois, acusações de esnobismo e invalidez ainda são usadas para desacreditá-la e diminuí-la.
Sem tempo a perder
Ursula K. Le Guin
Não é uma delícia essa liberdade de pensamento?
Saramago, um pouco mais sisudo, mas com seu estilo inconfundível e engajado, não deixa de ser tão arrebatador e autêntico nos textos de seu blog.
Com títulos instigantes e muito visuais, ele deixa bem claro o quanto a sua escrita era fruto de um incômodo permanente contra o patriarcado e o capitalismo.
Mas o que podemos aprender com a experiência blogueira de Ursula Le Guin e José Saramago?
Eles foram lá, criaram seus blogs, entraram no mundo digital, mesmo que ambos tenham confessado certo espanto com a velocidade e ousadia das respostas e comentários dos leitores.
Em tempos em que opinar virou chave de engajamento e lacração acho que escrever aqui no digital não deve nos impedir de perseguir o que todo escritor no fundo realmente busca com o ato da escrita: a reflexão.
"Acho que na sociedade actual nos falta filosofia. Filosofia como espaço, lugar, método de refexão, que pode não ter um objectivo determinado, como a ciência, que avança para satisfazer objectivos. Falta-nos reflexão, pensar, precisamos do trabalho de pensar, e parece-me que, sem ideias, nao vamos a parte nenhuma".
José Saramago, O Caderno
Obrigada pela leitura!❤️
📌Quer receber uma curadoria especial de literatura fantástica e dicas de escrita criativa diretamente no seu e-mail?
📌Tem dúvida sobre como escrever personagens marcantes, planejar seu romance e encontrar sua voz? Por aqui compartilho muito conteúdo gratuito sobre edição e preparação de textos literários.✍
Uma seleção especial de conteúdos de escrita!!!😱😱😱👇🏼👇🏼
✍ Dicas para criação de personagens complexas;
✍Como construir bons narradores;
✍Passo a passo para editar e revisar o seu romance sem surtar!;
✍7 técnicas para criar cenas de aberturas em romances.
📌Em breve irei divulgar um projeto feito com muito carinho para os apoiadores do
Um conteúdo especial de escrita criativa inspirado em grandes escritores de ficção fantástica✨ pra você colocar a mão na massa!Torne-se apoiador/a da news a partir de R$ 15/mês e ganhe descontos especiais em serviços editoriais 👇🏽⭐
Como apoiador você terá acesso a:
✍conteúdos exclusivos de escrita criativa;
✍15% de desconto na leitura crítica ou preparação e revisão do seu original (a partir de 6 meses de assinatura);
✍25% de desconto na mentoria literária (a partir de 6 meses de assinatura).
📌Quer uma ajuda para colocar sua história no mundo? Para agendar uma leitura crítica basta enviar um e-mail para thais.fnunes7@gmail.com contando um pouco sobre o seu projeto literário.
Trabalho com narrativas fantásticas, transitando pela ficção especulativa, distopia, ficção científica, horror e demais gêneros fantásticos.💫
Os livros que inspiraram essa edição:
👁️Sem tempo a perder, Ursula Le Guin;
👁️ O Caderno, José Saramago.
Um beijo e até a próxima edição! ;)
Thais
Se gostar do que leu, não esquece de compartilhar com alguém que também ama literatura e escrita! ❤
Menina, amei esse post! Tenho ameaçado voltar a escrever no formato de blog, mas ainda não me reacostumei a expor meu fluxo de pensamento (que é o que eu acho que um blog deve fazer) sem me sentir meio... millenial demais? Af...rs
Mas eu lia o blog da Ursula (e dei uma espiada no do Saramago) na época em que ela escrevia, e tenho um outro livro de crônicas dela que me marcou imensamente (Dancing on the edge of the world, que tem a teoria da "bolsa" e outras ideias provocadoras sobre ficção), e ler você falar da escrita "para pensar e não para engajar ou agradar" me lembrou por que eu gostava tanto disso. Vou tentar não esquecer de novo!
Aliás, adoro suas reflexões. Talvez seja a bolha colocando pessoas parecidas na minha caixa de entrada? hahaha